Achados Econômicos

EUA emitem US$ 2,3 trilhões desde 2008, mas bancos retêm 85%

Sílvio Guedes Crespo

Os Estados Unidos já emitiram US$ 2,3 trilhões no sistema financeiro desde 2008, o que equivale a tudo o que a população brasileira produz ao longo de um ano de trabalho. Mas 85% desse valor, ou US$ 1,9 trilhão, ficou retido com os bancos na forma de reservas  – ou seja, não está em circulação na economia.

Nos últimos cinco anos, o Federal Reserve (banco central americano) tem procurado estimular a atividade econômica mantendo uma taxa de juros baixa e também criando moeda a partir do nada.

Com dinheiro recém emitido, o Fed compra títulos no mercado para que os bancos se sintam seguros e percebam que, sempre que precisarem de liquidez (no caso, moeda), podem recorrer ao banco central.

Só que as instituições financeiras pegam esses dólares e deixam reservados em uma conta que eles mantêm no próprio Fed (leia entrevista ao final desde texto).

O gráfico abaixo dá uma ideia do que está acontecendo. A linha vermelha representa a base monetária dos EUA, que no conceito do Fed inclui todo o dinheiro em circulação no país mais as reservas dos bancos. A verde se refere apenas às reservas.

a base monetária disparou a partir de setembro de 2008, mês em que o banco Lehman Brothers quebrou e desencadeou a crise bancária americana. A linha verde praticamente acompanhou os movimentos da vermelha, o que significa que boa parte do dinheiro que foi injetado no sistema financeiro ficou guardada.

A linha azul representa a diferença entre a base monetária e as reservas dos bancos, ou seja, é uma forma de medir quanto dinheiro efetivamente entrou em circulação.

Esse indicador aumentou em US$ 341 bilhões desde 2007, mas repare que a linha azul já vinha subindo antes disso. A partir da crise, ela acentuou apenas ligeiramente a trajetória de alta. Não disparou, como ocorreu com as outras duas curvas.

A injeção trilionária de dólares na economia possibilitou, ou ao menos não impediu, que a quantidade de dinheiro em circulação continuasse avançando praticamente no mesmo ritmo em que crescia antes da crise.

Conta corrente

Também se pode notar que a quantidade de dinheiro em depósitos à vista aumentou durante a crise. Não chegou a acompanhar a base monetária, mas subiu bem (195% desde 2007).

É possível que os americanos em geral estejam fazendo o mesmo que os bancos: sentando em cima do dinheiro, em vez de investir.

Não é atraente a ideia de comprar títulos do governo, porque o rendimento está praticamente zerado. Investir no setor privado daria retorno melhor, mas pode ser considerado arriscado demais enquanto não sabemos se a atual retomada econômica é para valer.

Crédito

Os bancos não aceleraram em nada o ritmo de concessão de crédito. É verdade que de 2007 a 2013 a quantidade de dinheiro que os americanos – pessoas e empresas – devem aos bancos subiu 25%, passando de US$ 33 trilhões para US$ 41 trilhões.

Mas antes da crise, ou seja, antes de o Fed iniciar seu programa de injeção de dinheiro, o crédito crescia a um ritmo muito maior. De 2001 a 2007, para pegar um intervalo de tempo equivalente em tamanho, a alta foi de 69%.

Ainda assim, sempre é possível argumentar – e possivelmente isso está certo – que se não fossem os estímulos do Fed o crédito teria crescido menos ou até se reduzido.

Se o crédito não está crescendo no mesmo ritmo que a emissão de moeda, a boa notícia é que os financiamentos às empresas estão subindo, enquanto aqueles direcionados para as famílias, têm caído.

Sinal de que a pequena parte que os bancos resolveram emprestar está indo para o setor produtivo, não para o consumo de uma população já endividada até o pescoço.

Entrevista

O economista Otto Nogami, professor do Insper, comenta o assunto na entrevista abaixo.

Sílvio Crespo: Por que o volume de reservas dos bancos aumentou tanto?

Otto Nogami: Grande parte do dinheiro injetado serve para reforçar a reserva bancária e reduzir o risco de liquidez [risco de não conseguir vender ativos na rapidez necessária, por exemplo por falta de moeda em circulação].

No Brasil, cada banco empresta um valor equivalente a oito ou nove vezes o seu patrimônio líquido. Nos EUA, essa proporção chegava até a 35 vezes em algumas instituições. Para minimizar o risco de o tomador de empréstimo não pagar, os bancos estão aumentando o volume de reservas.

SC: É um sinal de que os bancos ainda não estão confiantes na recuperação dos EUA?

ON: Sim. E não só os bancos, mas os americanos, em geral, ficaram mais comedidos depois da crise. Mesmo se o banco quiser emprestar, não encontra tomador. A preocupação maior do americano hoje é o emprego, não o consumo.

SC: Se a maior parte do dinheiro que o Fed injetou no sistema financeiro ficou guardada, de onde vem o “tsunami monetário”?

ON: À media que o governo americano mantém a taxa de juros baixa, dada a alta taxa de juros nossa, muitas vezes vale a pena, para o especulador estrangeiro, investir no mercado brasileiro ou de outros países emergentes. Isso criou um problema, porque valorizou as moedas locais.