Achados Econômicos

Opinião: 2013 frustra ousadia econômica de Dilma

Sílvio Guedes Crespo

Na TV, Dilma anunciou cruzada contra os juros; hoje, taxa voltou a ser a maior do mundo

Dilma tentou cruzada contra os juros, mas taxa voltou a ser a maior do mundo

O ano de 2013 foi aquele em que se frustraram as inovações que a presidente Dilma Rousseff tentou implantar na economia brasileira.

Dilma prometeu um corte drástico na taxa básica de juros do país. Mais tarde, expoentes do governo anunciaram a “nova matriz econômica” nacional, uma combinação de juros baixos, cortes de impostos e real menos valorizado.

Esse tripé seria a base de uma nova era na economia país. Com os juros baixos, os investidores não conseguiriam mais obter uma renda fabulosa emprestando dinheiro para o Estado. Teriam que, dali para frente, colocar o seu capital no setor produtivo. Acabou o ''almoço grátis'' no Brasil, disse a presidente em 2012.

A consequência seria o aquecimento da atividade econômica, com aumento do emprego, da renda, do consumo e do investimento, criando um ciclo virtuoso.

Aos juros baixos, seria acrescentada uma taxa de câmbio favorável à indústria brasileira. A moeda nacional mais fraca tornaria os produtos “made in Brazil” mais competitivos no mercado internacional.

Ainda, os cortes de impostos facilitariam a vida dos brasileiros sem, no entanto, obrigar o governo a reduzir gastos sociais e investimentos. A lógica é simples. Em curto prazo, o que o governo deixaria de gastar com juros da dívida poderia ser usado para bancar despesas públicas. Em longo prazo, a arrecadação de impostos seria recuperada por causa do aquecimento da economia.

Paralelamente, o governo daria crédito a empresas com juros mais baixos do que os dos bancos, impulsionando o setor produtivo.

Estava pavimentada, assim, a via pela qual o país entraria em uma nova era de desenvolvimento.

Fim da era Lula

A nova matriz seria uma reação ao esgotamento do modelo de crescimento que marcou a era Lula.

De 2004 a 2010, os chineses não paravam de importar matéria-prima brasileira. Os investidores internacionais colocavam cada vez mais dinheiro no país. O mercado interno se desenvolvia e o consumo crescia com ajuda do crédito. As empresas conseguiam se expandir, contratando quem até então estava desempregado ou ganhando pouco – como as empregadas domésticas. O emprego e os salários no país aumentavam, especialmente entre a população mais pobre.

O “boom”, no entanto, começou a murchar em 2011. A China já não crescia mais com tanto vigor. Os investidores internacionais ficaram mais comedidos por causa da persistência da crise no mundo rico.

O país caminhava rumo ao pleno emprego. Nos grandes centros urbanos, já não era mais tão fácil encontrar pessoas dispostas a aceitar qualquer salário. As domésticas começaram a rarear. Para continuar crescendo, o país teria que aprender a aumentar a produção sem aumentar o número de trabalhadores. Ou seja, precisaria elevar a produtividade. Produzir melhor, para ficar mais competitivo. Do contrário, a economia ficaria parada.

Foi o que ocorreu em 2012. O PIB (produto interno bruto) subiu apenas 1%. A partir dali, ou se aumentavam os investimentos e a produtividade, ou teríamos uma era de “pibinhos”.

Frustração

Algumas coisas, no entanto, deram errado – no Brasil e no exterior.

O Banco Central, de fato, reduziu a taxa básica de juros, a Selic, para o patamar mais baixo desde o Plano Real. Só que faltou combinar com a inflação, ou melhor, com o restante do governo.

Os preços teimaram permanecer acima do centro da meta, que é de 4,5% ao ano, de modo que o BC teve que voltar a elevar a taxa de juros.

Vários fatores influenciam a inflação. Um deles é o câmbio. Enquanto o real se valoriza, os produtos estrangeiros ficam mais baratos para nós. Por outro lado, a mercadoria nacional fica mais cara em comparação com a importada, o que atinge a indústria brasileira.

Mesmo que se mandasse às favas a indústria, não conseguiríamos mais usar o câmbio para controlar a inflação. A entrada de dólares já não cresce mais no mesmo ritmo verificado na era Lula. Primeiro, porque a China entrou em desaceleração. Segundo, mas não menos importante, porque os Estados Unidos estão se recuperando e, consequentemente, atraindo investidores que de outro modo colocariam dinheiro no Brasil.

Outra forma de amenizar a inflação seria pela redução das despesas públicas. O governo gastaria menos e, consequentemente, a demanda por mercadorias diminuiria. Porém, os gastos estatais continuaram crescendo, não importa se por falta de comprometimento do governo ou por pressão de parlamentares e grupos da sociedade.

A taxa básica de juros, que estava em 7,25% ao ano em janeiro, hoje atingiu 10% e voltou a ser a maior do mundo.

Corte de impostos

Outro pilar da nova matriz econômica, o corte de impostos foi feito em vários setores. O governo está deixando de arrecadar R$ 14 bilhões em 2013 e R$ 28 bilhões em 2014.

A arrecadação foi afetada, também, por uma atividade econômica mais fraca do que se previa quando foi elaborado o Orçamento.

O resultado foi óbvio: o setor público não conseguiu juntar apenas com a arrecadação de impostos toda a quantia prometida para pagar juros da dívida. Teve que recorrer a receitas não recorrentes. Por exemplo, a do leilão do campo de petróleo de Libra e a de um programa que dá desconto para as empresas quitarem suas dívidas com a União.

Isso é suficiente para deixar investidores aflitos. Se eles acham que o governo não está levando a sério o compromisso com os credores, não colocam seu capital no país – a não ser para especular, pois precisariam de um retorno alto o suficiente para compensar o risco. E sem investimentos de longo prazo, também não se tem crescimento econômico sustentado.

Dívida em alta

Para tranquilizar investidores, o setor público precisa gastar com juros uma quantia suficiente para que a dívida se mantenha controlada no longo prazo.

Nossa dívida líquida hoje está em torno de 35% do PIB, bem abaixo dos mais de 60% atingidos em 2003. Trata-se da diferença entre o que o setor público está devendo e o que ele tem a receber como credor.

O que tem gerado desconfiança no mercado é a dívida bruta, que está em alta. O Tesouro toma dinheiro emprestado no mercado para dar crédito mais barato a empresas, por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Se o governo empresta a mesma quantia que tomou emprestado, a dívida líquida não aumenta. Mas a bruta, sim. Ainda se poderia argumentar que, tendo o governo um montante a receber idêntico ao que tomou emprestado, então não tem problema. Só que tem. O dinheiro que o Tesouro toma emprestado às vezes pode precisar ser pago antes de o BNDES receber dos seus credores.

Está aqui mais um ponto que deixa investidores em polvorosa: a possibilidade de a dívida pública sair do controle. Mais uma vez: sem confiança do mercado, não há investimentos nem crescimento econômico.

Real fraco

Se os juros voltaram a subir e a desoneração não foi feita sem afetar o equilíbrio das contas públicas, a desvalorização do real parece ser o único dos três pilares da nova matriz econômica que deu certo. Afinal, a nossa moeda se desvalorizou, mesmo.

Aqui, o problema é que essa desvalorização ocorreu por força externa. A economia dos EUA está se recuperando, de modo que parte do capital que vinha a países emergentes agora tende a ir para lá. Não é mais tão fácil atrair dólares para o Brasil.

Por isso mesmo, o Federal Reserve, banco central americano, anunciou que está diminuindo a quantidade de dinheiro que despeja mensalmente no mercado. A chuva de dólares que atingia os países emergentes – que Dilma chamou de “tsunami monetário” – pode virar uma garoa.

Ao longo do ano, os investidores ficaram tentando adivinhar quando o Fed iria retirar os estímulos. Em julho e agosto, achavam que seria imediatamente, o que gerou especulações e fez o real ter uma das maiores quedas do mundo. Em setembro, o BC americano disse que a redução não seria imediata nem brusca – e o real subiu mais do que qualquer outra moeda, naquele momento.

O cenário incerto nos EUA trouxe, portanto, volatilidade para o real. Isso significa imprevisibilidade e, portanto, dificuldade para as empresas fazerem planos de longo prazo. Mais um motivo para o setor privado adiar investimentos no país.

Economia lenta

Todo esse conjunto de problemas – inflação, menos dinheiro de impostos para pagar juros, aumento da dívida bruta e volatilidade do câmbio – contribuiu para frustrar aqueles que esperavam que a economia fosse deslanchar.

No início do ano passado, analistas acreditavam que o PIB cresceria 4,25% em 2013. Hoje, eles projetam alta de apenas 2,3% no ano completo.

A indústria cresceu somente 1% nos últimos 12 meses. Nesse ritmo, não vai nem repor as perdas do ano passado, quando encolheu 2,7%.

As vendas do comércio, único indicador da atividade econômica que crescia a taxas chinesas até o início do ano, reduziu à metade seu ritmo de expansão nos últimos meses.

O chamado saldo comercial, diferença entre exportações e importações, despencou 94%. De janeiro até a terceira semana de dezembro, somou US$ 1 bilhão; no mesmo período de 2012, estava em US$ 18 bilhões.

Sem catastrofismo

Nem por todos esses dados ruins, no entanto, se poderia afirmar que 2014 será uma catástrofe, como preveem uns e desejam outros. Alguns dados indicam isso.

A taxa de desemprego caiu para 4,6%, o nível mais baixo desde 2002, quando a pesquisa adotou a metodologia atual.

Verdade que o principal responsável por essa queda em novembro foi a redução do número de pessoas que procuram trabalho. Mas a geração de novas vagas também teve sua importância.

O país continua criando postos de trabalho, mesmo que a um ritmo bem mais lento do que na década passada.

A probabilidade de catástrofe diminui, ainda, se notarmos que o banco central americano está reduzindo os estímulos de forma bem gradual. Fizesse isso bruscamente, poderíamos ver mais volatilidade no real. Da forma como tem feito, no entanto, é possível que o câmbio oscile em um patamar que não prejudique tanto os quem têm dívidas em dólar e ainda favoreça os exportadores.

2014 melhor

A privatização de parte da infraestrutura nos últimos meses deste ano, se não significa uma guinada na economia, ao menos abre a perspectiva de tempos melhores.

Depois do fiasco na segunda rodada de concessões de rodovias, quando não apareceu nenhum investidor interessado em uma estrada, o governo resolveu mudar o modelo e conseguiu atrair capital para a infraestrutura.

As concessões, além de trazerem dinheiro ao país, ajudam a melhorar a produtividade e podem contribuir para superar a era dos “pibinhos”. Se um produto que leva 20 horas para chegar até determinado porto, e com a melhora das estradas ele passar a levar 10, então a produtividade do transportador terá aumentado. Ganho similar existe quando melhora o fluxo dos portos e aeroportos.

Mas para acelerar mesmo a atividade, ainda faltaria resolver outras questões, como a dos gastos públicos, que além de pressionar a inflação ainda desequilibram as contas do governo e afugentam investidores. Enquanto não ficar claro que o governo quer e pode resolver esse problema, os investimentos tendem a vir em conta-gotas.

O ajuste das contas públicas, no entanto, não deve ser feito de forma indiscriminada em um país ainda tão desigual como o Brasil. Qualquer política econômica deve estar atrelada a um objetivo maior, o de garantir a igualdade de oportunidades para a população.