Indústria reduz pagamento a trabalhador pela 1ª vez desde 2010
Sílvio Guedes Crespo
Atualizado às 13h08*
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Após anos de aumento contínuo de salários sem uma elevação correspondente da produtividade, a indústria reduziu o pagamento aos trabalhadores.
Em novembro, cada funcionário recebeu, em média, 2% menos do que em igual mês de 2012. Nesse tipo de comparação, os gastos dos industriais por trabalhador não caíam desde maio de 2010 (veja gráfico abaixo).
Os números foram divulgados nesta terça-feira pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e se referem ao pagamento real, ou seja, corrigido pela inflação.
Como a inflação foi de quase 6% no ano passado, pode-se deduzir que os gastos por trabalhador não diminuíram nominalmente. O que ocorreu foi uma perda do poder aquisitivo. Dito de forma mais clara, a inflação está corroendo o salário do funcionário industrial.
Ao mesmo tempo, essa situação pode permitir ao patrão realizar um ajuste que vem buscando há meses. Se a empresa consegue aumentar o preço dos seus produtos sem elevar na mesma proporção os gastos por trabalhador, ela melhora sua produtividade e tem mais chance de se manter no mercado ou mesmo se expandir futuramente.
Emprego
A indústria vem cortando empregos desde 2011. O número de trabalhadores ocupados no setor diminuiu em todos os meses desde outubro daquele ano, sempre na comparação com igual período do ano anterior. Porém, os gastos das empresas com salários não caíam (gráfico abaixo).
Esta aparente contradição – corte de empregos combinado com aumento de gastos com salários – ocorreu possivelmente porque os demitidos encontraram trabalho no setor de serviços.
Outro possível motivo da contradição está no custo da demissão. Os encargos trabalhistas pagos após os cortes entram na estatística como parte da folha de pagamento.
O que está havendo
A indústria brasileira está em crise. De janeiro a novembro do ano passado (dado mais recente), a produção aumentou apenas 1,4%, segundo o IBGE – crescimento insuficiente para compensar a queda de 2,5% registrada em igual período de 2012.
Permanecem os velhos problemas que as empresas sempre tiveram no país, como a infraestrutura precária, a burocracia excessiva, os juros altos (que apesar de terem caído em comparação com 20 anos atrás, ainda são elevados em relação à maioria dos países) e outros.
Mais recentemente, acrescentou-se a isso outro fator: o aumento de salários. Em 2003, somente 19% dos acordos coletivos entre patrões e empregados resultou em reajuste acima da inflação, segundo o Dieese. Já em 2012, a proporção saltou para 95%.
O setor de serviços consegue mais facilmente repassar esse aumento salarial para os preços. Não dá para importar, por exemplo, um corte de cabelo. Quando o dono do salão se vê obrigado a dar reajuste para o funcionário, ele pode simplesmente subir o preço do corte, se houver quem pague. E tem havido.
Já a indústria, que enfrenta a concorrência externa, não pode fazer o mesmo. Se a mercadoria nacional fica mais cara que a estrangeira, o cliente simplesmente opta pelo produto importado.
Para se adaptar, no ano passado a indústria passou por um ajuste. O setor reduziu seu quadro de pessoal e investiu em máquinas. De janeiro a novembro, a produção de bens de capital (equipamentos usados na produção) cresceu 14%. Ao mesmo tempo, as empresas demitiram funcionários, como aponta o gráfico acima.
O ajuste pode não ter terminado ainda, de modo que tenhamos mais cortes na indústria nos próximos meses. O movimento pode beneficiar o setor, sem um custo social alto, pois a taxa de desemprego continua no patamar mais baixo desde 2002.
Ao mesmo tempo, a recente alta do dólar, por causa da recuperação americana, também pode ajudar a indústria. Mas aqui existem dois “poréns”. Primeiro, muitas das máquinas usadas no setor são importadas, de modo que a desvalorização do real aumenta parte dos custos. Em segundo lugar, ao mesmo tempo em que o dólar alto barateia os produtos nacionais, a inflação os encarece. Os ganhos de competitividade gerados pelo câmbio são parcialmente comidos pela alta dos preços.
Ainda, deve-se considerar que o crédito tende a se expandir em ritmo mais lento em 2014 – de forma que as pessoas terão menos dinheiro para consumir bens industriais. Para piorar, a taxa de juros está subindo, o que desestimula os investimentos.
Não me parece que exista uma saída, portanto, que não passe pelo aumento da produtividade do país como um todo, por meio de mais leilões de infraestrutura. Eles não só trazem dinheiro ao Brasil, como barateiam os custos das empresas. As concessões precisam acelerar.
* Incluído comentário sobre emprego às 11h52 e o item 'O que está havendo' às 13h08