Achados Econômicos

Metade dos produtos listados pelo IBGE sobe além do teto da inflação

Sílvio Guedes Crespo

Texto atualizado às 13h38*

Metade dos produtos que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) monitora para calcular o índice oficial de preços teve um reajuste acima do teto da meta de inflação do país, que é de 6,5% ao ano.

De 373 bens e serviços que fazem parte do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), 189 subiram mais que 6,5% nos últimos 12 meses.

Entre os campeões de reajustes destacam-se os alimentos. A tangerina lidera a lista, com alta de 93,5% nos últimos 12 meses. Em seguida, aparecem o chá (53,64%), a laranja-baía (44,46%) e o peixe-dourado (39,73%).

maiores altas de preco ipca ibge abril 2014

Apesar de 51% dos produtos terem extrapolado o teto da meta, o IPCA, indicador oficial de inflação, ficou em 6,28% nos últimos 12 meses. Isso ocorreu porque os bens e serviços que subiram menos ou que tiveram queda de preços têm peso maior no orçamento médio estimado das famílias.

A inflação está abaixo do centro da meta porque os preços que o governo consegue controlar diretamente estão sofrendo reajustes menores– caso, por exemplo, de gás encanado (3,51%), energia elétrica residencial (4,29%), ônibus urbano (1,1%), ônibus intermunicipal (2,88%), multa (0%), pedágio (0,27%), gasolina (4,18%), produtos farmacêuticos (3,9%) e correio (1,7%). O telefone fixo, cujo preço também é controlado pelo setor público, teve queda de 4,59%.

Em média, os preços administrados pelo governo subiram 3,77% nos últimos 12 meses, enquanto os chamados preços livres avançaram 7%, de acordo com cálculos da Tendência Consultoria Integrada.

Entre os produtos que tiveram as maiores quedas nos últimos 12 meses estão o feijão-carioca (-33,95%), a cebola (-33,53%) e o tomate (-14,23%) – este último que no primeiro semestre do ano passado foi apontado como um dos “vilões” da inflação.

maiores quedas

 

Opinião

Os números ajudam a entender por que muitas pessoas têm a impressão de que a inflação é maior do que a divulgada pelo IBGE. Os preços que mais têm subido são aqueles que vemos diariamente nos supermercados, restaurantes, lojas e bares. Já os que estão controlados são preços nos quais as pessoas não costumam reparar todo dia – por exemplo, pedágio, correio, gás, telefone fixo, aparelho telefônico, televisor e automóvel usado.

Além disso, há um outro aspecto que os índices de preço não conseguem captar, para o qual o economista Adolfo Sachsida chamou atenção em um recente artigo no UOL. Quando compramos um produto, por exemplo, por R$ 100, pagamos impostos. Se os tributos forem de 20%, então nós pagamos R$ 80 pela mercadoria e R$ 20 por serviços públicos. No caso de o governo cortar impostos e os produtos continuarem com o mesmo preço, isso significa que passamos a pagar R$ 100 pela mesma mercadoria e zero pelos serviços públicos. Nesta situação hipotética, ocorreu uma elevação de 25%, mas o IPCA ou qualquer outro índice marca variação nula de preço.

Nenhum índice é capaz de detectar esse tipo de inflação, pois eles monitoram apenas o preço dos bens, sem especificar quanto daquilo é de impostos. Isso vale tanto para os indicadores do IBGE como para as pesquisas não oficiais, como as da Fundação Getulio Vargas.

Não se trata, portanto, de uma manipulação pelo IBGE, como muitos leitores costumam apontar incorretamente (se fosse esse o caso, os dados da FGV e da Fipe não seriam tão parecidos com os números oficiais). Trata-se de uma espécie de inflação oculta que, ao menos por enquanto, nenhuma pesquisa consegue identificar por meio da metodologia convencional.

Vale lembrar, também, que os índices de preços se baseiam na estimativa de um orçamento médio das famílias brasileiras. Quem tem duas crianças matriculadas em escolas particular vai sentir muito mais o aumento das mensalidades do que quem tem uma só. No limite, deveríamos ter um índice de inflação para cada habitante do país, o que é impossível.

Para uma pessoa saber se a sua inflação corresponde ou não ao número oficial, só existe uma forma: anotar o preço de todos os bens e serviços consumidos durante um mês e depois fazer o mesmo no mês seguinte.

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