Achados Econômicos

Craques hoje chegam a ganhar 20 vezes mais que nos anos 1980; compare

Sílvio Guedes Crespo

Em 20 de agosto de 1980, o jogador Sócrates conseguiu um aumento no Corinthians e passou a ter o maior salário do futebol brasileiro, segundo estimou a Folha de S.Paulo à época. Eram 500 mil cruzeiros mensais, além das luvas de 12 milhões a serem pagas ao longo de dois anos.

O acordo gerou uma corrida por reajustes no futebol paulista, que Jaime Franco, diretor do São Paulo, chamou de “síndrome de Sócrates”. “Antes, era apenas no Rio de Janeiro que víamos o Zico ganhando um salário fantástico […]. Depois do caso Sócrates, todos só raciocinam em função do que recebe o jogador do Corinthians”, disse Franco.

O blog Achados Econômicos pesquisou nos arquivos da Folha dos anos 1980 e transpôs, para valores de hoje, os salários de grandes jogadores de futebol.

Os ganhos do doutor, superlativos para a época, eram apenas uma fração do holerite dos craques atuais. Corrigidos pela inflação, os Cr$ 500 mil de salário mensal, com mais Cr$ 500 mil de luvas, equivaleriam hoje a R$ 115 mil por mês.

Neymar, no Santos, chegou a receber R$ 2,3 milhões mensais em 2012, segundo algumas fontes, ou R$ 3 milhões em 2013, de acordo com outras. Pela estimativa mais baixa, supera em 20 vezes o que Sócrates ganhava no Corinthians. Como eram poucos os jogadores com salário próximo ao do doutor, não é exagero inferir que todos os atletas da seleção brasileira de 1980, somados, não ganhavam o que Neymar chegou a receber sozinho no Santos.

O craque que agora está no Barcelona é um caso extremo, mas não uma exceção. Vários outros jogadores de hoje ganham muitas vezes mais do que os ídolos dos anos 1980. Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, leva R$ 900 mil por mês no Atlético-MG, o que equivale à soma dos ganhos de Sócrates, Zico, Falcão.

Salários defasados

Essa diferença gritante entre a remuneração atual dos craques e a dos anos 1980 decorre não só da evolução do mercado do futebol mundial, mas também do fato de que os salários dos jogadores no Brasil, naquela época, estavam muito defasados em relação aos dos países ricos e mesmo em comparação com a Argentina.

Se Sócrates levava R$ 115 mil por mês em 1980, um ano depois Maradona recebia, no Boca Juniors, o equivalente a R$ 280 mil, aos 20 anos de idade – antes, portanto, de estrear na Copa de 1982 e de ganhar o Mundial de 1986.

Patrocínio

O patrocínio foi um fator que impulsionou os salários dos jogadores. Dos R$ 2,3 milhões que Neymar tirava no Santos, apenas R$ 350 mil saíam do próprio clube. Todo o resto vinha de patrocinadores que exploravam a imagem do santista.

Ronaldinho Gaúcho, quando estava no Flamengo, acertou um contrato de R$ 1,250 milhão por mês em 2011. Mas o clube pagava somente R$ 500 mil (R$ 250 mil de salário e R$ 250 mil de luvas). O outros R$ 750 mil vinham da Traffic, empresa que investe em jogadores e comercializa direitos de TV, patrocínio e promoção.

Mercado de paixões

Ao explorar o potencial econômico do futebol, os empresários têm por objetivo transformar sentimentos em consumo. Basicamente, procuram extrair receita a partir da relação emocional entre torcedores e clubes, que é construída historicamente, conforme as vitórias e derrotas em cada partida.

A revista da FGV Projetos apresentou em sua mais recente edição um conjunto de artigos sobre o mercado de futebol. Destaco o dos pesquisadores Antônio Carlos Kfouri Aidar e Evandro Jacóia Faulin, com sacadas preciosas a respeito dos negócios do esporte. Veja abaixo algumas observações dos autores sobre o assunto.

  • ''[Com a profissionalização do futebol] Aparece o produto dos sonhos do sistema capitalista. Por quê? Futebol é paixão e o torcedor não vive sem ele. Nosso folclore aponta vários casos em que chefes de família mais humildes deixam de comprar até leite para seus filhos para poder assistir a uma partida final de campeonato.''

  • ''Se um jogo de futebol for tratado como um bom produto, ele não terá substituto para o torcedor.''

  • ''O futebol é o único caso [entre os inúmeros mercados existentes] em que o cliente é maltratado e volta sempre!''

  • ''Não há fidelidade a produtos ou serviços em nenhuma outra indústria na proporção que existe no futebol.''

  • ''Décadas atrás, se um elenco era imbatível, ganhava, no máximo, mais dinheiro com mais ingressos, porque mais gente estava interessada em ver os times em ação. Hoje, quem faz mais gols e fatura mais partidas aparece mais na TV, o que gera melhores contratos de patrocínio e merchandising.'' 

  • ''A construção de um estádio leva em média dois ou três anos, já a compra de uma equipe inteira pode ser feita em uma semana. No entanto, alterar o número e a qualidade dos torcedores de um clube leva pelo menos uma geração''

  • ''Nas últimas três gerações, o mundo futebolístico reconhece que apenas um time teve uma importante transformação, passando de time “pequeno” para “grande”, arrebatando grande número de torcedores, inclusive com as raríssimas mudanças do clube do coração: o Santos Futebol Clube, de Pelé''