Com menos IPI, montadoras quintuplicam ritmo de investimento no exterior
Sílvio Guedes Crespo
Atualizado às 18h48*
A indústria automobilística instalada no Brasil aumentou a produção e as vendas no país nos últimos anos, mas, em proporção bem maior, tem elevado os investimentos no exterior, mostram dados do Banco Central.
Desde 2009, o setor automotivo brasileiro investiu US$ 3,4 bilhões no exterior, o que dá uma média de US$ 64 milhões por mês saindo do país. Anos antes, de 2006 a 2008, essa média era de apenas US$ 12 milhões. Trata-se de um aumento de 429%.
Na mesma base de comparação, a produção subiu bem menos (20%), assim como o emprego nas montadoras (22%). O blog analisou apenas o período desde 2006 porque as planilhas do BC, antes disso, não informavam os investimentos diretos no exterior feitos especificamente pelo setor de veículos.
Esses são os valores que as empresas transferiram a outros países na forma de investimento direto. Não se referem às remessas de lucro (que sempre foram grandes, e somaram US$ 16,4 bilhões desde 2009), e sim a gastos direcionados diretamente para a produção.
O volume ainda é bem inferior ao que as companhias enviaram para cá (US$ 6,2 bilhões desde 2009). Mas, enquanto o investimento das empresas brasileiras lá fora subiu 429%, como explicado acima, o das estrangeiras no Brasil avançou menos (114%, no mesmo tipo de comparação).
Corte de IPI
Coincidentemente, os US$ 3,4 bilhões, quando convertidos para reais de hoje, são R$ 8 bilhões, valor muito próximo dos R$ 8,2 bilhões que a Receita Federal estima ter deixado de arrecadar com os sucessivos cortes do imposto desde 2009 até junho deste ano.
Não se pode dizer que as empresas estão investindo no exterior por causa das desonerações. Além do mais, a redução do IPI, mesmo que por prazo determinado, é benéfica para os consumidores em geral, quando ela é repassada, ao menos em parte, ao preço do produto.
Mas é fato que os brasileiros, que chegam a pagar mais que o dobro por carros iguais ou inferiores aos vendidos em outros países, estão ajudando uma indústria que, cada vez mais, coloca seu dinheiro no exterior, justamente num momento em que a economia do país clama por investimentos.
Não é possível, nem desejável, que um fabricante seja impedido de faturar no país e investir lá fora. É necessário, no entanto, averiguar por que as companhias estão aumentando os aportes de capital lá fora, sendo que estão no quarto maior mercado consumidor de veículos do mundo, que por sinal é protegido por impostos anti-importação.
Procurada, a associação de montadoras não comentou o assunto.
Montadoras em ‘apuros’
Ao pagar caro pelos veículos, os brasileiros estão ajudando a gerar empregos também em outros países, segundo a professora Adriana Marotti de Mello, do curso de administração da USP. Leia entrevista abaixo.
Por que as montadoras instaladas no Brasil estão investindo em outros países?
O problema está relacionado aos apuros pelos quais as montadoras têm passando no exterior. Elas estão dando lucro em países como o Brasil, de modo que as filiais ganham importância em relação às matrizes. E a redução de IPI ajuda as empresas a recuperarem a lucratividade.
Ao pagar caro pelo carro, nós estamos ajudando a gerar produção e emprego também no exterior?
Sim. Temos um mercado grande e protegido, onde não existe uma competição real. As quatro maiores montadoras ainda dominam cerca de 60% do setor. Então a margem de lucro é bem mais alta do que em outros países. O setor automotivo sempre está entre os que fazem maiores remessas. Se estivessem investindo aqui, seria melhor. Mas isso só se resolveria se tivéssemos uma indústria nacional, ou seja, com empresas sediadas aqui, o que não vejo ocorrendo num futuro próximo.
* Acrescentada a informação de que, na forma de remessas de lucro ao exterior, o setor de veículos enviou US$ 16,4 bilhões desde 2009 (além dos US$ 3,4 bilhões, que deixaram o país na forma de investimento direto