Achados Econômicos

Empresas dão aumento acima da inflação só para cargos mais baixos

Sílvio Guedes Crespo

Empregados operacionais, nível em que as greves são mais comuns, tiveram aumento nominal de 12,5% nas empresas pesquisadas

As empresas privadas só deram aumento salarial acima da inflação, em 2013, para os cargos mais baixos, justamente aqueles em que as negociações coletivas costumam ser mais frequentes, segundo uma pesquisa da consultoria Mercer.

Já nos níveis em que as greves são raras e os reajustes dependem mais do reconhecimento do mérito individual do que de pressões em grupo, a remuneração direta não acompanhou a inflação.

Considerando o salário base mais os incentivos de curto prazo, como bônus e participação no lucro, os cargos de nível operacional tiveram um reajuste de 12,5% em 2013, segundo a pesquisa, que consultou 446 empresas privadas, com faturamento médio de US$ 1,25 bilhão.

De acordo com o levantamento, um funcionário operacional ganhou, em média, um salário anual de R$ 24 mil em 2012. Neste ano, a média subiu para R$ 27 mil.

Entre os sete grupos em que os pesquisadores dividiram os profissionais, o de funcionários operacionais foi o único onde se registrou um aumento médio de remuneração superior ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), o indicador oficial de inflação, que no ano passado subiu 5,84%.

O segundo grupo com maior reajuste foi o extremo oposto, o dos presidentes de empresas. Depois de embolsar uma média de R$ 1,084 milhão no ano passado, este ano eles ganharão, até dezembro, R$ 1,14 milhão, uma alta de 5,2%. Com esse aumento, eles quase conseguem manter o poder de compra que tinham em 2012.

Tirando os presidentes e os operacionais, nos demais níveis hierárquicos houve perda do poder aquisitivo. Os salários de coordenadores, supervisores e gerentes normalmente sofrem um impacto menor em acordos coletivos. Empregados desses níveis dependem mais de que o mercado reconheça seu desempenho para ter um aumento.

Vale ressaltar que a pesquisa considera os cargos, não as pessoas. Por exemplo, se um funcionário foi promovido a diretor, recebendo mais do que como gerente, porém menos do que o diretor anterior, os dados indicarão que o salário dos diretores, em média, diminuiu, ainda que aquele trabalhador específico esteja ganhando mais.

Outro ponto a ser ressaltado é que a pesquisa trabalha com valores médios. Diversos gerentes, diretores ou supervisores, por exemplo, podem ter obtido aumento real de salário, mas não o suficiente para puxar a média para cima da inflação.

Disparidade

Também deve ser levado em conta que, como os presidentes ganham muito mais que os outros empregados, uma elevação de 5% nos ganhos daqueles significa bem mais dinheiro do que uma alta de 12% para um funcionário operacional.

Isso fica claro no gráfico abaixo, onde nem se nota a diferença de tamanho de uma barra para a outra no nível operacional. Já entre os presidentes, o aumento de 5% é bem nítido, porque corresponde, em valores, a R$ 56 mil (ou seja, duas vezes o salário de empregados operacionais).

Na semana passada, este blog comentou outros dados dessa mesma pesquisa da Mercer. Os leitores mais atentos podem estranhar, pois os números parecem não bater.

No post anterior, era dito que o presidente de uma empresa privada no Brasil (considerando tanto as de capital nacional quanto as demais) ganha hoje R$ 1,289 milhão por ano. Já no post desta segunda-feira, a informação é de que eles ganham R$ 1,14 milhão.

A diferença existe porque a remuneração de R$ 1,289 milhão se refere à média de todas as empresas que participaram da pesquisa neste ano. Já o R$ 1,14 milhão inclui apenas as companhias presentes tanto na pesquisa de 2013 como na de 2012.

A Mercer pesquisou 826 cargos em companhias privadas que, juntas, faturaram mais de US$ 500 bilhões em 2012, o que dá um quarto do PIB (produto interno bruto) do Brasil. Essas empresas empregam 1,7 milhão de pessoas, ou 7% da população economicamente ativa do país. A coleta de dados foi feita no primeiro semestre de 2012 e 2013.

Reajustes

A constatação da Mercer confirma uma tendência que já vinha sendo verificada nos últimos anos, de aumento maior de remuneração na base da pirâmide econômica.

A renda média dos trabalhadores com curso superior teve um aumento real de apenas 0,7% de 2003 a 2012, ou seja, apenas acompanhou a inflação, atingindo R$ 4,1 mil em dezembro do ano passado, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Já a dos que têm até oito anos de estudos registrou uma elevação real de 37% no mesmo período, chegando a R$ 953.

Isso foi possível porque a maior parte dos empregos gerados nos últimos anos contemplou cargos que exigem menos escolaridade. A taxa de desocupação das pessoas com até oito anos de estudos caiu de 12%, em 2003, para 4,5%.

Consequentemente, ficou mais difícil, para as empresas, substituir funcionários com esse perfil, o que aumentou o poder de barganha deles. Em 2012, o número de greves no país foi o maior dos últimos 16 anos.

Em 2003, somente 19% das negociações coletivas terminaram com um reajuste acima da inflação; no ano passado, a proporção foi de 95%, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Neste ano, no entanto, o indicador caiu para 85%

A questão agora é se o mercado de trabalho vai se desaquecer a ponto de os empregados de cargos mais baixos perderem o poder de barganha conquistado na era Lula.