Especulador cobre rombo de US$ 40 bi e equilibra contas externas do país
Sílvio Guedes Crespo
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O Brasil tem dependido de capital especulativo para cobrir o rombo nas suas contas externas, mostram dados do Banco Central.
A diferença entre o dinheiro que entrou no país e o que saiu por meio das exportações de bens e serviços e por gastos de turistas resultou em um saldo negativo de US$ 6,635 bilhões em maio e de US$ 40,074 bilhões no acumulado deste ano. Essa conta é chamada de transações correntes.
Ao mesmo tempo, a diferença entre o que entrou no país e o que saiu por meio de investimentos estrangeiros foi de US$ 45,773 bilhões, cobrindo o rombo das transações correntes, com uma sobra de US$ 5,698 bilhões.
Somando essa sobra com US$ 2,576 bilhões de “erros e omissões” do balanço, o país aumentou em US$ 8,274 bilhões as suas reservas internacionais neste ano.
Isso quer dizer que, nos cinco primeiros meses de 2014, entraram no país US$ 8,274 bilhões a mais do que o dinheiro que saiu. (No gráfico acima, as entradas de US$ 48,3 bilhões se referem à soma dos investimentos estrangeiros com o item ''erros e omissões''.)
Olhando mais de perto para os números, vemos que, para manter esse balanço equilibrado, temos precisado de capital especulativo, aqui definido como aquele que pode sair do país em curto prazo, como as aplicações no mercado de ações ou em títulos da dívida do governo.
Do saldo de US$ 45,773 bilhões que entrou no país na forma de investimentos estrangeiros, apenas US$ 22,027 bilhões foram diretamente para o setor produtivo. O restante entrou como investimentos em ações, títulos públicos, derivativos etc, ou seja, são aplicações que podem sair do país muito rapidamente.
No segundo gráfico, os investimentos em carteira e outros são aqueles que podem sair do país em curto prazo, o que não quer dizer que eles necessariamente vão sair. Quem compra uma ação, por exemplo, pode guardá-la por anos ou vender imediatamente. Já quem constrói uma fábrica (caso do investimento direto) não consegue se desfazer dela tão rápido.
O Banco Central mais do que dobrou a sua previsão para investimentos em ações neste ano, de US$ 5 bilhões para US$ 12 bilhões. Para aplicações em títulos de renda fixa, o BC elevou sua previsão de US$ 15 bilhões para US$ 18 bilhões.
Opinião
O balanço de pagamentos, quando visto como um todo, tem sido favorável ao país neste ano, uma vez que acumulamos mais de US$ 8 bilhões em reservas nos primeiros cinco meses. Essa conta representa uma melhora em relação ao ano passado, quando saiu mais dinheiro do país do que entrou, de forma a perdemos reservas.
Quando olhamos para os detalhes, no entanto, percebemos que essa não é a melhor forma de equilibrar nossas contas externas. O ideal seria se não precisássemos depender de capital de curto prazo para fechar o balanço.
Em 2011 e 2012, por exemplo, o investimento estrangeiro direto, aquele que em tese vai para o setor produtivo, foi suficiente para cobrir todo o deficit de transações correntes.
Melhor ainda foi o que ocorreu de 2003 a 2007, quando tivemos um saldo positivo em transações correntes. Ou seja, para fechar o balanço de pagamentos, não dependíamos nem do capital estrangeiro especulativo nem do produtivo. Somente vendendo bens e serviços ao exterior já conseguíamos equilibrar nossas contas. Era uma época em que a China crescia mais de 10% ao ano e comprava cada vez mais matérias-primas brasileiras. Além disso, Europa e Estados Unidos não estavam em crise e também adquiriam produtos do Brasil.
Como entravam muito mais dólares no país do que saíam, sem precisar depender de especulação, o real foi se valorizando na década passada, ajudando a aumentar o poder aquisitivo dos brasileiros.
Hoje, no entanto, não há sinais de que a economia chinesa volte tão cedo ao ritmo daquele período. Vai ficar difícil usar o câmbio para aumentar o poder de compra dos brasileiros – ainda mais porque, quando mais o real sobe, mais difícil fica a situação da indústria, que compete com produtos estrangeiros.
Para que a população volte a elevar seu poder de compra sem precisar valorizar o real, é necessário que a economia brasileira fique mais produtiva. A agenda do governo, seja quem for o próximo presidente, precisa estar focada em reduzir os custos do produtor nacional sem mexer no câmbio. Isso se faz com, entre outras medidas, concessão da infraestrutura à iniciativa privada, redução da burocracia e melhora da relação entre governo e mercado.