Achados Econômicos

Importação de gasolina aumenta 42 mil vezes em três anos

Sílvio Guedes Crespo

*Atualizado 12/09 às 11h22

O Brasil aumentou drasticamente a importação de gasolina logo depois de ter quase zerado essa conta, segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Com isso, o país deixou de ser um exportador desse produto.

Em 2009, o país havia praticamente se livrado da necessidade de importar gasolina. Gastou apenas US$ 71 mil com a compra do combustível no exterior. No ano passado, no entanto, dispendeu o valor recorde de US$ 3 bilhões, ou 42,5 mil vezes mais.

As exportações, ao contrário, caíram fortemente, de US$ 965 milhões em 2009 para US$ 93 milhões em 2012, uma baixa de 90%.

Os números representam uma inversão da situação em que se encontrava a balança comercial da gasolina. De 1991 (dado mais antigo disponível pela ANP) a 2010, o país quase sempre exportou mais gasolina do que importou, com apenas duas exceções, em 1995 e 1996.

Já em 2010, a importação de gasolina aumentou significativamente, mas a exportação ainda era relativamente alta e compensou. Foi a partir de 2011 que o país ficou com saldo negativo.

Consumo alto

A importação de gasolina aumentou depois que o consumo começou a crescer mais que a produção, conforme o gráfico abaixo.

Este gráfico deve ser observado com cuidado, porque, quando falamos em produção, consideramos a gasolina tipo A (vendida nas refinarias, sem adição de álcool anidro); já a gasolina que consumimos é a do tipo C (que hoje tem 25% de etanol).

Por isso, é normal que a linha verde fique sempre um pouco acima da vermelha. No entanto, pode-se observar claramente que ambas caminhavam de forma quase paralela até 2009, mas depois houve um descolamento, com o consumo avançando muito mais do que a produção.

Em 2013, a tendência é diminuir um pouco, pois a produção cresceu 7,1% até julho, e o consumo, 4,2%. Mas não o suficiente para o país voltar a prescindir de gasolina importada.

A Petrobras alega que a produção vem subindo em média 10% ao ano e “suportou parcialmente o expressivo aumento da demanda nacional”.

A empresa estima que, em 2013, a importação de gasolina será entre 30% e 40% menor do que em 2012, devido ao “aumento da eficiência operacional das refinarias” e à elevação do teor de álcool anidro misturado à gasolina em maio.

Autossuficiência

Apesar do saldo negativo no comércio de gasolina com o exterior, o país continua autossuficiente em petróleo e derivados, segundo a ANP. Isso ocorre porque as exportações de petróleo bruto compensaram não apenas as importações do óleo leve, mas também as de derivados, como a própria gasolina.

De qualquer maneira, exportar matéria-prima e importar o produto pronto não é vantagem para o país. (Aliás, é um problema histórico que envolve vários outros segmentos da economia e que ainda pretendo abordar futuramente por este blog.)

O professor Ricardo Mollo, do Insper, comenta a questão na entrevista abaixo.

Por que a importação de gasolina aumentou tanto?

Porque o Brasil produz em quantidade insuficiente em relação ao que precisaria. O país necessita do equivalente a 2,9 milhões de barris por dia, mas só  tem capacidade de refino de 2 milhões.

Qual a perspectiva para os próximos anos?

Existem algumas refinarias em construção, mas acabaram atrasando. A Abreu e Lima, em Pernambuco, é a próxima a ficar pronta, em 2014, com cerca de 280 mil barris por dia, ainda insuficiente.

As coisas vão começar a acalmar em 2016, quando a Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) começar a funcionar, em 2016. Mais duas refinarias, no Maranhão e no Ceará, devem entrar em funcionamento em 2017 e 2018.

Por que os investimentos não foram feitos?

A Petrobras tem limitações. Por ser controlada pelo governo, precisa fazer licitações, e isso demora. Além disso, investimentos que poderiam ser feitos em refinarias foram direcionados para prospecção e perfuração.

Enquanto isso, a Petrobras paga caro na gasolina importada e vende mais barato aqui?

Sim. Deve pagar hoje R$ 1,70 ou R$ 1,80 por litro e vende por R$ 1,30 a R$ 1,40 às distribuidoras. Então tem prejuízo. [Nota do entrevistador: o preço de venda às distribuidoras não é o mesmo que o consumidor paga nos postos; este último é mais caro por causa dos ganhos das próprias distribuidoras, dos impostos e dos custos de transporte, entre outros.]

O que se poderia fazer para amenizar o problema enquanto as refinarias não ficam prontas?

O governo poderia aumentar a quantidade de etanol misturada na gasolina. Era de 20%, agora é de 25%. Claro que com essa mistura a gasolina vai ter uma performance pior. Mas tem que ver o que custa mais, se importar a gasolina e a Petrobras bancar (vendendo mais barata aqui) ou misturar álcool.

* O preço que a Petrobras paga pela gasolina importada e recebe pela venda nas refinarias foi estimado pelo professor Ricardo Mollo em reais, não em dólares, como informava incorretamente este texto. O erro foi corrigido em 12/09 às 11h22. Além disso, o autor acrescentou uma observação ao final da terceira resposta do entrevistado