População que ‘não gostaria de trabalhar’ cresce 36% desde 2003
Sílvio Guedes Crespo
Atualizado às 19h31*
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A taxa de desemprego caiu para 4,8% da população ativa, nível mais baixo para meses de janeiro desde pelo menos 2003, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Ao mesmo tempo, a criação de vagas com carteira assinada continua em um ritmo bem mais fraco do que no período do ''boom'' do mercado de trabalho, que ocorreu de 2004 a 2012.
Como pode a taxa de desemprego continuar caindo ao mesmo tempo em que a economia e a geração de vagas formais desaceleram?
Alguém poderia supor que a população está indo para a informalidade. Mas não é o caso. A taxa de formalização vem crescendo continuamente desde 2003 e, no ano passado, bateu recorde.
A resposta para a aparente contradição entre desemprego baixo, de um lado, e desaceleração da economia e da geração de empregos, de outro, está em um item que o IBGE chama de pessoas “que não gostariam de trabalhar”.
Trata-se do conjunto de indivíduos que dizem aos pesquisadores do IBGE que não só não trabalham como não querem entrar no mercado neste momento. Essas pessoas podem ser, por exemplo, aposentados, donas de casa, estudantes ou mães que não têm com quem deixar seus filhos pequenos durante o expediente.
A população “que não gostaria de trabalhar” somava, em janeiro de 2003, 12,4 milhões de pessoas nas seis regiões metropolitanas em que é feita a pesquisa. Hoje, são 16,9 milhões, uma alta de 36% em 11 anos. Já a população em idade de trabalhar cresceu 17% no período.
Em 2003, 33,8% das pessoas em idade ativa (dez anos ou mais) “não gostariam de trabalhar”. Atualmente, a proporção é de 39,2%.
Apesar de esse grupo ter crescido continuamente desde pelo menos 2003 (início da série de dados), só agora ele se tornou imprescindível para manter a taxa de desemprego baixo. Porque, até 2012, a população ocupada vinha crescendo fortemente (ela dobrou em dez anos).
Agora, a situação mudou. O desemprego caiu apesar de a ocupação não ter subido. A população desocupada diminuiu em 12,6% nos últimos 12 meses. Enquanto isso, a população ocupada ficou estável. A redução do desemprego decorreu do aumento do grupo que ''não gostaria de trabalhar''.
Se o número de pessoas que sai voluntariamente do mercado de trabalho é superior ao das que entram, a tendência é de que quem está na ativa acabe conseguindo salários mais altos. Quanto menos pessoas disputam uma vaga, mais os empregadores terão que oferecer para atrair os melhores candidatos.
A população que “não gostaria de trabalhar”, portanto, faz a taxa de desemprego permanecer baixa e ajuda a explicar por que a renda média da população ocupada continua aumentando acima da inflação, mesmo com a desaceleração da economia e do ritmo de criação de empregos formais.
Bolsa Família
Neste e em outros artigos sobre o mercado de trabalho, li comentários e e-mails de leitores com a hipótese de que o baixo desemprego seria explicado, em parte, pelos programas de transferências de renda.
Alguns leitores perguntaram se os beneficiários do programa Bolsa Família não são considerados desempregados. A resposta é: depende. O IBGE considera desempregados aqueles que não trabalham e estão procurando emprego. Se uma pessoa não tem trabalho remunerado, recebe o Bolsa Família e está atrás de uma vaga, ela é considerada desempregada. Se essa mesma pessoa não tem procurado emprego, ela é classificada como inativa, e nesse caso entra para aquele grupo que eu citei acima, o dos que não gostariam de trabalhar.
Houve, também, a seguinte dúvida de leitor: será que as pessoas não querem trabalhar porque recebem Bolsa Família?
Essa pergunta é mais difícil de responder. Primeiro, não conheço uma pesquisa que tenha feito um cruzamento de dados mostrando quantos, entre os que não querem trabalhar, recebem Bolsa Famílias. Sem esse dado, não vejo como chegar a uma conclusão segura.
Uma pesquisa da CNT, no entanto, constatou o seguinte: 75% dos entrevistados que recebem Bolsa Família disseram que aceitariam uma oferta de emprego, mesmo se isso as fizesse perder o benefício. A minoria (20%) disse que rejeitaria (os demais não souberam responder).
O valor básico concedido a uma família cadastrada no programa é de R$ 70 por mês, o que dá menos de R$ 2,50 por dia. Se a mãe for gestante, tiver quatro filhos de até 15 anos e mais dois de 16 ou 17 anos, ela ganha R$ 306 mensais – portanto, menos de R$ 1,50 ao dia para cada um dos sete membros da família.
Parece-me pouco demais para levar uma pessoa a desprezar um emprego – só mesmo se for um trabalho extremamente degradante ou muito mal pago.
Considerando esses dois dados – o valor baixo do Bolsa Família e a pesquisa da CNT – minha hipótese é de que o programa de transferência de renda não é o principal responsável pelo aumento do número de pessoas que não querem trabalhar.
* Acrescentado o item 'Bolsa Família' às 19h31