Por que os bancos se calariam diante de reclamações do governo?
Sílvio Guedes Crespo
Atualizado às 19h40*
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Poucas empresas estão se saindo tão bem no Brasil atual quanto os grandes bancos. As 1.555 instituições que compõem o sistema financeiro nacional lucraram R$ 37,2 bilhões no primeiro trimestre deste ano. Desse valor, R$ 7,8 bilhões, ou 44%, correspondem aos ganhos dos três maiores conglomerados financeiros privados. O Itaú teve lucro de R$ 3,8 bilhões; o Bradesco, de R$ 3,5 bilhões, e o Santander, de R$ 553 milhões. Nada mal para uma época de crescimento econômico baixo e inflação alta no país.
Neste momento em que os bancos que operam no país gozam a maior opulência de sua história e o restante da economia lamenta um crescimento do PIB (produto interno bruto) que deve ficar em torno de 1% neste ano, há quem acredite que o sistema financeiro seja vítima de uma “postura bolivariana” do governo.
A polêmica começou depois de uma reação efusiva de petistas a um acontecimento não muito mais do que banal. Uma analista do Santander, que, segundo o banco, não tinha autorização para fazer publicamente associações entre política e preço das ações, escreveu que, se a presidente Dilma Rousseff “subir nas pesquisas […] o índice da Bovespa cairia”. Tal opinião, que já circulava há meses no mercado e na imprensa, foi enviada junto com o extrato bancário a 1,7% dos clientes do Santander – aqueles com renda mensal acima de R$ 10 mil ou aplicações superiores a R$ 100 mil.
Em resposta, Dilma disse que aquela atitude era “inadmissível”. O presidente do PT, Rui Falcão, acusou o banco de fazer “terrorismo eleitoral”, e o prefeito de Osasco, o também petista Jorge Lapas, anunciou que iria rescindir um convênio entre o município e o Santander para pagamento de tributos. O banco publicou em seu site um pedido de desculpas e demitiu a analista.
Foram precisamente o pedido de desculpas e a demissão que provocaram medo em parte dos profissionais do mercado. Alguns falaram abertamente com a imprensa sobre o assunto, mas outros só aceitaram dar entrevistas se não tivessem seus nomes revelados. Os do último grupo diziam temer represálias do governo caso se expusessem.
Mais recentemente, a agência Bloomberg noticiou que “o pedido de desculpas por parte do Santander […] desencadeou medidas em pelo menos dois dos maiores bancos do país sobre o que seus analistas podem e não podem dizer”. Anteontem, o ex-ministro Antonio Delfim Netto afirmou, em entrevista à Band, que, depois da politização do caso pelo governo e da demissão da analista pelo Santander, “ninguém mais vai acreditar em qualquer informe de banco sobre a economia brasileira”.
Que o governo teve uma reação descabida e que parte dos profissionais do mercado ficou morrendo de medo, já se falou amplamente na imprensa. O que ainda ficou faltando explicar é: por que os grandes bancos se calariam diante de uma reclamação do governo?
Quando este blog entrevistou profissionais do mercado que disseram estar com medo e não quiseram se identificar, perguntou quais seriam os meios de o governo pressionar os bancos. Duas hipóteses foram levantadas pelos entrevistados.
Uma foi a de que órgãos como a Receita Federal, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários poderiam perseguir as instituições que criticassem o governo, intensificando a fiscalização sobre elas (as três negam). A outra hipótese foi a de que os grandes bancos fazem muitas operações com o setor público e não querem correr o risco de perder negócios.
Ora, se essas duas hipóteses estiverem certas, então não teríamos um Estado oprimindo o setor financeiro, e sim um acordo tácito entre as duas partes. As pessoas que disseram ter medo, no entanto, não levantaram outra suposição sobre a forma com que o governo pudesse retaliar o mercado. De qualquer modo, a exposição negativa da marca Santander na imprensa e nas redes sociais, após o episódio, já é um motivo nada desprezível para uma empresa desse porte querer ficar quieta.
Nenhum dos grandes bancos fala sobre o assunto abertamente. Mas um executivo de uma das maiores instituições financeiras do país aceitou falar com o blog desde que não tivesse seu nome divulgado.
Ele defendeu seus pares e mostrou-se predominantemente satisfeito com a forma como o Estado e o setor bancário se relacionam no Brasil.
“É óbvio que ninguém gostaria de ter uma relação difícil com o governo”, disse, “[mas] eu jamais vi alguma ação do governo que seja de retaliação, inclusive porque não tem instrumentos legais para fazer”.
No meio de toda a confusão, quem realmente saiu ganhando foi a Empiricus Research, uma consultoria que compara o PT com o antigo Partido Nacional-Socialista da Alemanha e havia publicado, antes do episódio do Santander, um anúncio que dizia: “Saiba como proteger seu patrimônio no caso de reeleição de Dilma”. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) obrigou a empresa a retirar do ar a publicidade, a pedido da campanha de Dilma, que alegava ser um anúncio com finalidade eleitoral.
A proibição, por si só, fez a consultoria ser citada em diversas reportagens em jornais e na internet. Com o episódio do Santander, a Empiricus rapidamente se pronunciou dizendo que tinha “simpatia” pela profissional do banco que foi demitida, declaração que ajudou a empresa a continuar aparecendo nas reportagens e ainda reforçou na consultoria uma imagem de lutadora contra eventuais tentativas de oprimir o mercado. A Empiricus disse ter dobrado o número de clientes e já está famosa no seu nicho de mercado, que inclui, certamente, as pessoas que temem uma revolução ao estilo ''bolivariano'' no país.
* As informações sobre lucro dos bancos, que até as 19h40 se referiam a 2013, foram atualizadas para o primeiro trimestre de 2014.