Em dez anos, custo dos empregados da indústria quase quadruplica
Sílvio Guedes Crespo
Atualizado às 17h06*
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O custo dos empregados na indústria brasileira disparou 264% de 2002 a 2012, segundo um estudo elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
As empresas do setor gastavam, em média, US$ 3,08 por hora trabalhada com cada um dos seus funcionários em 2002, considerando o salário mais os impostos. Dez anos depois, em 2012, o valor atingiu US$ 11,20, quase quatro vezes mais.
Os números se referem ao que tecnicamente se chama “custo de compensação”, um conceito que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) utiliza como sinônimo de custo do trabalho. A CNI, no entanto, ressalta que esses dados não incluem algumas despesas também relacionadas aos empregados, como os processos de recrutamento e seleção, os programas de treinamento e também a manutenção de refeitório para os empregados.
Conforme aponta o gráfico, o custo dos empregados da indústria despencou 57% entre 1996 (dado mais antigo da série) e 2002.
A partir de 2003, o indicador passou a subir continuamente até 2008, registrando, depois, uma leve queda em 2009, que foi mais do que compensada pelos aumentos nos dois anos seguintes.
Nota-se, no entanto, que em 2012 (dado mais recente) o custo do trabalho voltou a cair.
Como os valores estão em dólares, a variação do custo do trabalho é fortemente influenciada pelo câmbio. Quando o real sobe, como no período de 2003 a 2008, o custo do trabalho também sobe. Quando a moeda brasileira cai, caso do período de 1998 a 2002, o preço da mão de obra também desce.
Porque a indústria compete globalmente – seja quando exporta, seja quando concorre com produtos importados –, o valor em dólares é o que interessa quando estudamos a competitividade do setor.
Comparando com outros países, vemos que a hora trabalhada, no Brasil, é mais cara do que a de algumas outras nações emergentes, como o México, e mais barata do que a de economias maduras, como a zona do euro.
O estudo foi elaborado pela CNI e, portanto, traz o ponto de vista dessa entidade, que representa os empresários industriais. Sendo assim, faz sentido que se fale em custo do trabalho, e não em ganho do trabalhador.
Em determinado momento da análise, os pesquisadores fazem uma observação em relação a isso, dizendo que é positivo que os salários cresçam, mas que, quando isso ocorre sem que a produtividade acompanhe no mesmo ritmo, o aumento do custo do trabalho pode até inviabilizar determinadas atividades.
Opinião
É necessário sempre levar em conta que, se de um lado temos o custo do trabalho, de outro temos o ganho do trabalhador – e mais os impostos, que podem ser revertidos em serviços para a população, desde que as pessoas se interessem por discutir questões públicas de forma racional.
O aumento do custo do trabalho de 2002 a 2012 foi fortemente influenciado pelo câmbio. A cotação do dólar, que encostou em R$ 4 em 2002, terminou o ano de 2012 a R$ 2,04.
Essa enorme valorização do real gerou um custo nada desprezível para empresas que concorrem globalmente.
Tal aumento de custo representou também uma melhora da renda dos trabalhadores, o que é desejável, especialmente em um país de enorme desigualdade social.
O caso é que, no período de 2004 a 2010, com uma interrupção em 2009 por causa da crise iniciada nos Estados Unidos, os empresários da indústria conseguiram dar aos trabalhadores aumentos acima da inflação e, mesmo assim, o setor continuou crescendo.
Naquela época, entravam muitos dólares no país, por meio de exportações crescentes para a China e por investimentos estrangeiros no Brasil. Consequentemente, o real foi se valorizando, de modo que os salários passaram a valer mais em dólares. Além disso, havia uma política econômica que deu confiança a investidores, pois as metas de inflação eram cumpridas e o governo reservava uma quantia para pagar juros que os investidores consideravam, quando não ideal, ao menos aceitável.
Quando a economia da China passou a desacelerar, é como se alguém tivesse tirado uma peça de uma máquina que até então estava funcionando. Os chineses diminuíram o ritmo de aumento das compras de produtos brasileiros. Para piorar, a Europa, um dos principais importadores das nossas mercadorias, não consegue se recuperar da crise. Os Estados Unidos ora parecem melhorar, ora dão sinais de que ainda vão mal. Adicionalmente, a Argentina, outro grande parceiro comercial do Brasil, ergueu barreiras para alguns de nossos produtos.
Internamente, em vez de arrumar a casa, criando um ambiente para tornar o país mais propício para investimentos, o governo preferiu adiar os ajustes – que certamente seriam impopulares – e fazer apenas remendos para segurar as pontas.
Por exemplo, o país precisaria cortar gastos públicos para poder pagar dívida e também para não pressionar tanto a inflação. Mas o governo preferiu não cortar gastos, provavelmente esperando que a situação internacional melhorasse e tudo voltasse a ficar mais parecido com os anos Lula. Ou então está só aguardando as eleições para tomar as medidas impopulares em 2015.
De qualquer maneira, o cenário internacional melhorou muito pouco. Como o governo não cortou gastos, a quantia que o setor público reserva para pagar juros (o chamado superavit primário) não atingiu as metas, o que gera desconfiança nos investidores.
Além disso, sem corte de gastos, a inflação está sendo segurada com decisões como a de obrigar a Petrobras a vender gasolina por um preço mais barato do que o que a empresa gasta para importar o combustível. (Essa questão é particularmente interessante, porque a Petrobras vende gasolina barata, mas os postos a vendem bem mais cara, seja por causa de impostos ou de lucro, mas esse assunto eu já discuti em outro post.) Tudo isso gera desconfiança no mercado e afugenta investidores. Não em todos os setores, mas em parte deles.
No tempo em que a economia estava crescendo bem, o período entre 2004 e 2010 (com breve interrupção em 2009 por causa da crise bancária iniciada nos EUA), a inflação era tranquilamente controlada pelo câmbio. O real foi se valorizando devido à forte entrada de dólares, e isso deixou os produtos importados mais baratos.
Agora, no entanto, se o real continuasse subindo, a indústria seria sufocada, pois os custos, quando convertidos para dólares, iriam aumentar demais e tornar as empresas menos competitivas.
A CNI propõe o corte de impostos sobre salários, como forma de se tornar um pouco mais competitiva. Isso é positivo, mas devemos lembrar que toda redução impostos deve ser acompanhada de diminuição de despesas, ou seja, de medidas impopulares. A questão é de onde o governo tiraria dinheiro para pagar as aposentadorias, se a contribuição previdenciária que a indústria paga for cortada.
Se o preço das horas pagas cresce mais do que a produtividade, teríamos duas opções: reduzir o preço da hora ou aumentar a produtividade. O gráfico mostrado no estudo da própria CNI diz que na zona do euro o custo do trabalhador é mais do que o triplo daquele que existe no Brasil. Mesmo assim, a Europa é sede de inúmeras indústrias de ponta, dos aviões Airbus aos veículos BMW, passando por gigantes do petróleo como a Total e a BP, farmacêuticas como a Roche e muitas outras.
Verdade que muito do que essas companhias produzem está em países emergentes, mas uma parte ainda está no país sede, mesmo com trabalhadores ganhando bem mais do que os daqui. Sinal de que o foco das políticas para o setor tem que estar no aumento da produtividade, não na redução dos salários.
* Acrescentado o item ‘Opinião’ às 17h06